Lisboa |
Associação de Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos
O amor de Deus espelhado em cada rosto
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A Associação de Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos foi notícia por estes dias. A irmã que há quase 40 anos se entrega diariamente a esta causa, foi condecorada no dia 10 de Junho pelo Presidente da República. Uma oportunidade para, refere a irmã Ana Maria Vieira, dar a conhecer esta obra dirigida a ‘meninas’ cegas e deficientes.

 

Hoje é dia de festa! É sexta-feira, 15 de Junho, e Carolina faz 55 anos. No final de uma manhã ensolarada, Teresinha, antes de pegar nos seus haveres para passar uns dias na praia, chega junto de um órgão, colocado na ‘sala das meninas’, e com dedicação interpreta o tema ‘Parabéns a você’. Ao terminar, vai junto de Carolina e, com ternura, dá-lhe um beijo de parabéns. Teresinha é invisual e diz-nos: “Também sei tocar flauta”. Antes, tinha demonstrado a sua habilidade ao interpretar o tema ‘Avé Maria’ de Fátima. Pega, então, numa fronha de almofada com os seus bens pessoais e sai para a praia. No lugar fica Carolina, rodeada por tantas outras ‘meninas’ que a abraçam com afecto. É este o ambiente que se vive diariamente no Convento dos Cardaes. No número 123 da Rua do Século, no Bairro Alto, em Lisboa, funciona, desde 1877, a Associação Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos. Uma obra que “surgiu depois da extinção das ordens religiosas e depois da expulsão das irmãs de caridade por volta do ano 1800”, conta ao Jornal VOZ DA VERDADE, a irmã Ana Maria Vieira.

 

Origens da obra

Segundo esta religiosa Dominicana de Santa Catarina de Sena, que é a directora geral desta obra social desde 1974, “um grupo de senhoras percebeu que não havia qualquer apoio para os mais pobres e criou uma associação que é pioneira na época. Era uma associação constituída por muitas senhoras da sociedade”, explica. Ligadas a essa associação existiam, também, as filhas dessas senhoras “que não tinham ainda idade para ser sócias e por isso eram chamadas ‘sócias de prenda’, que faziam bordados e pinturas para serem vendidos em quermesses”. Madre Teresa de Saldanha, que veio a ser a fundadora da congregação portuguesa das Dominicanas de Santa Catarina de Sena, também fez parte desse grupo de ‘sócias de prenda’. “A sua mãe era dirigente da associação que prestava, também, trabalho domiciliário, indo junto das pessoas prestar auxílio, e procurando conhecer as necessidades das famílias e averiguando se as crianças eram ou não baptizadas. Algo que tinha grande importância na época”, salienta a irmã Ana Maria Vieira. Nessas visitas domiciliárias descobriram uma realidade que veio dar origem ao que é hoje a obra realizada pela Associação Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos. “Deram conta que havia muitos pobres, muita miséria, mas havia uns mais miseráveis do que outros. Eram os cegos. E começaram, então, a pensar sobre a forma como poderiam ajudar essas pessoas”, conta. Madre Teresa de Saldanha vai então pedir ao Governo português a cedência do Convento dos Cardaes para a instalação de um asilo de cegas, pretensão que foi aceite. “O convento tinha sido cedido de forma provisória, pelo Governo, mas um discurso, muito bonito, de Tomás Ribeiro, na Câmara dos Pares, fez com que o Rei D. Carlos cedesse definitivamente o convento à associação”, explica a irmã Ana Maria Vieira. Segundo esta religiosa, esta é a história de uma “associação pioneira”. “Acho que ainda não está feita, em Portugal, a história da solidariedade social e das instituições sociais, mas esta é das mais antigas e é pioneira porque teve como missão o trabalho domiciliário e o apoio às mães”, sublinha, com orgulho. “Estamos cá desde 1877! São muitos anos, mas as coisas evoluíram, actualizaram-se e hoje a instituição é moderna e actual”.

 

Nova família

Se no início a instituição nasceu dirigida, de forma especial, às cegas, hoje continua a acolher essas situações, mas vai mais longe. “Continua com cegas que precisem de ajuda. Mas hoje a cegueira não é impeditivo de uma vida normal. Desde que haja cabeça!”, refere a irmã Dominicana, lembrando que actualmente “o ensino integrado permite que se faça uma escolaridade normal, e isso é sempre recomendável”. No entanto, aponta “uma franja de gente” que não pode ser esquecida. “São cegas e pessoas com outras deficiências, com alguma perturbação psíquica. São daquelas pessoas que já passaram por tudo. Temos um caso de uma mulher deficiente, com cerca de 125 quilos, que não sabe pentear o cabelo, nem tomar banho. Se fosse só cega, não estaria aqui!”, acentua.

Muitos destes casos chegam ao Convento dos Cardaes por mão das próprias famílias ou pela acção da Segurança Social. Quando chegam, encontram uma nova família, que não têm ou nunca tiveram. “Esta é a casa e a família delas”, refere, frisando que na casa tentam “criar laços de família e inter-ajuda”. “Elas vão ficar aqui sempre, e por isso é preciso que tenham qualidade de vida. Que estejam com satisfação”.

 

Actividades lúdicas

Na Associação de Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos, às 38 meninas acima dos 18 anos (a mais velha tem 90 anos) que habitam a casa, é proporcionada a oportunidade de ter uma vida normal. Da formação ao desporto, da cultura ao tempo livre, diversas actividades vão marcando o tempo vivido naquela grande família. “Agora estão na praia. Em Maio tiveram um passeio com três noites fora de casa, com o seu quarto, a sua mala... Vão comer ao restaurante, já desceram o Rio Douro… Passeamos muito, porque a evasão faz falta! Vão ao teatro e fazem teatro. Têm piscina, música, ginástica, e outras actividades escolares”, aponta a irmã Ana Maria Vieira.

 

Visitar para ajudar

Enquanto Instituição Particular de Solidariedade Social, a obra do Convento dos Cardaes conta com algum apoio da Segurança Social. Mas outras ‘seguranças’ vão sendo encontradas em algum património deixado em herança, e em determinadas empresas que vão manifestando a sua ajuda. No entanto, há um tesouro, para muitos, ainda escondido, no centro da cidade de Lisboa, que pode ser uma ajuda para esta instituição: a visita ao Convento dos Cardaes, com toda a preciosidade arquitectónica, escultórica e decorativa pode ser uma forma de ajudar esta instituição. “Quem vem visitar o convento está a ajudar a associação. As entradas são donativo para a casa. Temos inclusive voluntários que fazem a visita guiada a todo o convento em várias línguas. Ninguém anda pelo convento sozinho”, observa a irmã que deixa um apelo aos leitores deste jornal: “As pessoas que lêem o Jornal VOZ DA VERDADE, se quiserem ajudar a associação, têm aqui uma boa maneira: cultivam-se porque vêem uma coisa bonita, e estão a ajudar uma instituição”, desafia. 

 

Tempo para dar mimo

No convento habitam cinco irmãs dominicanas e colaboram diversas pessoas num trabalho que é, ao mesmo tempo, uma missão especializada onde, acima de tudo, está presente o amor. “É um trabalho muito específico e muito directo com as pessoas. É preciso escolher roupa para vestir, fazer as camas, mas é importante o mimo que se dá. É preciso ter tempo para dar mimo, para dar abraços quando nos encontramos no corredor. É importante chamar ‘Minha princesa!’, dizer ‘Hoje está gira, que linda camisola a menina tem!’. É importante falar e estar disponível para isso”, frisa a irmã Ana Maria. “Isto é o que faz o calor humano. E as pessoas têm que sentir calor. Se não formos nós a fazer isso, mais ninguém faz. É um trabalho de bem-estar, de carinho, de um lado amoroso da vida”.

 

Todas iguais

A irmã Ana Maria Vieira está à frente da Associação Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos desde 1974. Tinha 32 anos quando chegou a Lisboa para dirigir a obra, depois de uma missão em Moçambique. “Nesse tempo, estas casas eram deprimentes. Fizemos uma boa comunidade. Estruturámos a comunidade, rezámos, chorámos muito, e depois arregaçámos as mangas e pusemos mãos à obra. É preciso muita paciência e persistência”, confessa, hoje, com alegria.

Actualmente, aos 69 anos, a percepção que tem da casa é bem diferente de quando chegou e onde nunca pensou que viria a estar. “Sempre achei que era uma causa bonita. Quando estava em noviciado dizia que nunca vinha para os Cardaes porque não aguentaria. Mas vim para cá, sem perceber como. Vim como superiora e como directora e quando aqui entrei as pessoas não eram cegas, todas tinham olhos. Perdi aquela impressão. Vi que éramos todas iguais. Fui ficando, cada vez a amar mais”.

 

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Jantar de beneficência

Este Domingo, 24 de Junho, realiza-se no Convento dos Cardaes um jantar de beneficência para apoio ao trabalho realizado pela Associação Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos. Segundo a irmã Ana Maria Vieira, os lugares para o jantar, que decorrerá nos claustros do convento, estão desde há algum tempo preenchidos. “Em outros anos havia a dificuldade em vender os lugares. Mas este ano está tudo ocupado. Por isso, a condecoração do Senhor Presidente da República está a trazer benefícios”, reconhece.

 

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Perfil

Natural de Braga, a irmã Ana Maria Vieira tem nove irmãos e desde muito cedo esteve em contacto com a Congregação das Dominicanas de Santa Catarina de Sena. Fez o noviciado no Ramalhão, em Sintra, passou pelo colégio de Coimbra, e foi enviada em missão para Moçambique. “Professei os votos perpétuos de manhã e fui para Moçambique à tarde”, comenta ao Jornal VOZ DA VERDADE. Auto caracteriza-se por ser alguém que se entrega totalmente ao que faz. “Onde estou, entrego-me. Não estou dividida com mais nada!”. Regressou de Moçambique em 1970, voltou ao Ramalhão, estudou em Toulouse, e aos 32 anos chegou ao Convento dos Cardaes onde testemunha a sua felicidade pela missão realizada. “Aqui estou feliz e contente, e bendigo a inspiração das superioras e dou graças a Deus pelo Espírito Santo me ter impelido para este lugar”.

No passado dia 10 de Junho, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, atribuiu à irmã Ana Maria de Sousa Vieira a Ordem do Mérito pela missão realizada nesta associação. Com humildade, e desvalorizando os seus méritos pessoais, a irmã Ana reencaminha todo o mérito para a própria Associação. “Para a associação, esta condecoração é uma beleza. A mim não faz nenhuma diferença. Mas a associação mereceu!”, releva.

texto por Nuno Rosário Fernandes
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