Lisboa |
175 anos do nascimento de Madre Teresa de Saldanha
A força do amor
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Nasceu em Lisboa, no século XIX, dedicou-se à escolarização das raparigas e fundou as Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena. Nos 175 anos de nascimento de Madre Teresa de Saldanha, o Jornal VOZ DA VERDADE apresenta a vida e obra de uma mulher a caminho dos altares.

 

“Madre Teresa de Saldanha era uma autoridade amada! Obedecida e amada. É interessante, porque ela tinha o lado de mãe – era muito maternal, muito meiga, muito doce –, mas ao mesmo tempo era muito exigente”. É desta forma que a actual Superiora Geral das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, irmã Rita Maria Nicolau, traça ao Jornal VOZ DA VERDADE o perfil da fundadora da sua congregação. “Madre Teresa de Saldanha foi sempre uma mulher de muita fé, muita aceitação, muito gosto em querer fazer a vontade de Deus. ‘Fiat [do latim faça-se], a vontade de Deus que se faça’, em todas as cartas ela repete esta frase. Era uma pessoa muito de Deus, mas também muito atenta à vida, às pessoas concretas, às suas preocupações, à política… Tinha o coração enraizado em Deus e os pés bem na Terra”, acrescenta esta religiosa, por ocasião dos festejos do 175º aniversário de nascimento da madre fundadora.

 

Mãe e ‘inglesinhos’

Madre Teresa de Saldanha nasceu em 1837, no coração de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão, junto aos Restauradores. “Foi educada com todos os valores humanos e cristãos. Era uma menina muito talentosa, muito carismática, muito líder. Os pais eram muito ligados à Corte, mas a mãe dedicava-se sobretudo às obras de misericórdia, porque naquele tempo, no seculo XIX, Lisboa tinha alguns ricos, mas a maior parte das pessoas era muito miserável”, conta esta religiosa, que é natural da Benedita, sublinhando que, desde criança, Teresa de Saldanha se mostra muito sensível à pobreza que assolava Lisboa. “Teresa descia à rua com a sua mãe, que ia visitar pobres, e impressionava-se muito ao ver os meninos descalços, de rostos pálidos, que não tinham acesso à escolarização”. Aos 7 anos, a pequena Teresa começa a ter direcção espiritual com os padres da Igreja dos Inglesinhos. “O padre Lourenço Richmond dizia-lhe sempre: ‘Teresa, seja toda de Nosso Senhor’. A verdade é que estes conselhos constantes entraram no seu coração. Ela própria diz que estes conselhos a faziam perguntar a Deus o que Ele queria dela. É muito interessante a educação que Teresa de Saldanha recebe e a influência que teve na sua maneira de ser, na sua opção de vida e na sua missão na Terra”, assegura.

 

Escolas para as meninas

Teresa de Saldanha estudou sempre em casa. Aprendeu História, Português, Línguas (inglês, francês, alemão), piano, artes, pintura. Aos 17, 18 anos foi trabalhar com as Irmãs da Caridade, que tinham uma escola de meninas pobres, em Santa Marta, Lisboa, fundando a Associação Protectora das Meninas Pobres. “O objectivo desta associação era abrir escolas para meninas que não tinham acesso à escolaridade. Porque as poucas escolas estatais que existiam eram para os rapazes, prioritariamente. Eram muitas as meninas que, nessa época, vinham do campo para a cidade para trabalhar e que acabavam por ‘cair’ na prostituição e Teresa de Saldanha queria evitar isso”, conta a irmã Rita Maria.

Teresa de Saldanha “queria entrar para as Irmãs da Caridade”. Contudo, em 1862, “estas religiosas são expulsas por serem estrangeiras”. Mas Teresa não desistiu da obra da associação. “Teresa nunca desistiu das várias escolas. Ela calcorreou Lisboa inteira! É muito interessante, porque é raro o sítio da capital que não esteja marcado pela sua presença”, garante a irmã Rita Maria Nicolau.

 

A primeira após a extinção

O desejo de se entregar totalmente a Deus ia crescendo e Teresa acaba, inclusivamente, por ser aceite na Congregação das Dominicanas de Stone, na Inglaterra. “Os padres do Corpo Santo, que eram irlandeses, é que ‘não autorizaram’ e pediram-lhe para fundar uma congregação em Lisboa”. Estávamos então em meados da década de 60 do ano 1800 e Teresa de Saldanha começa a procurar raparigas que quisessem entrar na nova congregação. A 19 de Março de 1866 recebe a autorização do Patriarca de Lisboa, D. Manuel Bento Rodrigues, para dar início à obra da fundação da congregação. Meses mais tarde, em Novembro, partem para o noviciado em Drogheda, na Irlanda, as duas primeiras vocacionadas: Harriet Martin, inglesa, e Maria José Barros de Castro, portuguesa. “Teresa de Saldanha encontrou duas raparigas que queriam seguir a vida religiosa e enviou-as para a Irlanda, para fazerem o noviciado. Foram para um convento de vida contemplativa, com formação dominicana”, explica a actual madre geral.

Dois anos mais tarde, a 12 de Novembro 1868, acontece a bênção da primeira casa da congregação, nas Portas da Cruz, no Bairro de Alfama, em Lisboa, e no dia seguinte a chegada das duas primeiras irmãs a Lisboa. “O dia 13 de Novembro de 1868 é considerado a data da fundação da congregação. Foi a primeira congregação portuguesa e de vida activa a estabelecer-se depois da extinção de 1834”.

 

Vocação ‘tardia’?

Durante praticamente vinte anos a congregação desenvolve-se e chega a Braga, Porto, Coimbra, Santarém, Algarve. “Neste período, Teresa ainda não tinha professado e a congregação é orientada por madre Maria José Barros de Castro, que era também da zona de Lisboa e que foi o braço direito e co-fundadora da congregação”.

A Profissão Religiosa de Teresa de Saldanha acontece apenas a 2 de Outubro de 1887, quando já tinha completado 50 anos, nas mãos do Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Sebastião Neto. “As pessoas perguntam-nos muito porque é que ela não professou mais cedo. Por um lado, porque não podia ir contra a vontade do pai, porque se não a ‘história’ acabava nos jornais; por outro, Teresa dizia que estava professa no seu coração, porque ela aos 18 anos fez, pessoalmente, ao confessor, voto de castidade, voto de se consagrar totalmente a Deus e todos os anos renovava esses votos; finalmente, porque Teresa de Saldanha tinha feito um empréstimo ao Banco para pagar a Casa Geral, que demorou 10 anos a pagar. Quando acabaram as dívidas, Teresa de Saldanha professou”, conta a actual Superiora Geral das Irmãs Dominicanas, irmã Rita.

Com a Profissão Religiosa, Madre Teresa de Saldanha é eleita Superiora Geral da congregação. Entretanto, a congregação vai-se estabelecendo, mas em 1901 tem início a perseguição religiosa. “Viveu-se nesta época um tempo de uma certa hostilidade à Igreja. Madre Teresa sofreu muito. Anos mais tarde, com o regicídio, augurou-se que não vinham bons ventos, o que se veio a confirmar em 1910, com a implantação da República, o encerramento das comunidades e a expulsão das irmãs da congregação, que na época tinha 68 religiosas, noviças, professas”. Em Dezembro desse ano, Madre Teresa de Saldanha foi obrigada a refugiar-se numa pensão e em Janeiro de 1911 foi viver, clandestinamente, para uma pequena casa alugada na Rua Gomes Freire, em Lisboa, com mais duas irmãs, onde permaneceu até à morte, que aconteceu a 8 de Janeiro de 1916.

Durante dez anos, a irmã Rita Maria esteve encarregue do processo de beatificação-canonização de Madre Teresa. “Li toda a documentação e fiz tudo o que era preciso ser feito para que o processo entrasse em Roma, o que aconteceu em 2004. Só as mais de cinco mil cartas que ela escreveu já davam para ocupar uma vida! Mas além disso ela trabalhou e viajou muito! Foi um tesouro para a Igreja e teve uma grande coragem evangélica. Tem havido muitas graças e esperamos que a todo o momento se revele um milagre”, deseja a madre geral.

 

Uma sociedade mais justa

A irmã Rita Maria Nicolau é a Superiora Geral da congregação desde há quatro anos e garante que, ainda hoje, a congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena sente a presença da sua fundadora. “Nós pedimos a intercessão dela todos os dias! Madre Teresa está muito presente nesta nossa Casa Geral, onde professou, na capela. Viveu cá, passeou pelos jardins e nós sentimos muito a presença dela nesta casa. A mim, pessoalmente, ela ajuda-me muito a discernir”.

Madre Teresa de Saldanha teve como lema de vida ‘Deus acima de tudo’ e ‘passar pelo mundo a fazer o bem sempre’. Para a irmã Rita Maria Nicolau, falta ao mundo actual colocar mais em prática estes lemas. “Se tivéssemos Deus nos nossos horizontes, nas nossas acções e em tudo aquilo que fazemos, com certeza que a vida e a sociedade seriam diferentes. O ‘Deus acima de tudo’ não é um Deus distante, mas um Deus que é pai, é amigo, está próximo e está em primeiro lugar! ‘Fazer o bem sempre’ é, no fundo, estar sempre atento aos outros e ver o bem que podemos fazer. Acredito que assim teríamos uma sociedade mais justa”.

 

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Presença em Lisboa das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena

 

Todas as casas das Irmãs Dominicanas têm como objectivo serem “fermento de mudança na sociedade”, explica ao Jornal VOZ DA VERDADE a madre geral. “A congregação procura manter vivo o seu carisma de seguir Deus, em resposta às necessidades do momento”, acrescenta a irmã Rita Maria. Além da presença em Portugal, a congregação está presente no Brasil, Paraguai, Angola, Moçambique, Timor e Albânia. “No total somos cerca de 350 irmãs, sendo que portuguesas são mais de cem, estando metade da província em Lisboa”, revela a madre geral. Em Lisboa, a presença das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena faz-se através de seis casas.

 

Casa Geral - Casa Madre Teresa de Saldanha (São Domingos de Benfica)

É a casa onde funciona a cúria geral da congregação. É também a casa de acolhimento às irmãs missionárias. Tem ainda duas valências: o lar, que acolhe 15 meninas desprotegidas, que foram abandonadas pela família ou que não têm família; e uma creche, aberta a qualquer criança, dos 3 meses aos 3 anos.

 

Casa Provincial - Externato de São José (Restelo)

Além da sede da província – a Província de Nossa Senhora do Rosário –, esta casa tem um colégio que acolhe mais de 800 alunos, desde os 3 anos até ao 9º ano. Dizem as irmãs que este colégio substitui o colégio que havia na Casa Geral, no Largo de São Domingos de Benfica.

 

Casa de Santa Teresa - Associação de Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos (Convento dos Cardais)

É a segunda casa mais antiga, após a Casa Geral. É também do tempo de Madre Teresa de Saldanha. Tem um lar que acolhe meninas deficientes. Começou por ser de cegas, mas actualmente recebe sobretudo meninas deficientes.

 

Casa de São Domingos de Benfica (Bairro das Furnas)

É uma casa de inserção. As irmãs estão inseridas no bairro e agora estão reformadas mas trabalharam muito com ciganos, crianças, idosos e na catequese da paróquia. A madre geral conta que um padre lhe garantiu que a presença das irmãs fez com que este bairro não se tornasse problemático.

 

Colégio de São José (Quinta do Ramalhão)

É uma quinta que acolheu o noviciado durante muitos anos e que celebra este ano o 70º aniversário. Muitas das irmãs da congregação fizeram o noviciado nesta quinta em Sintra. Antigamente foi também internato, mas actualmente tem um colégio, com cerca de 600 alunos, desde os 3 anos até ao 9º ano.

 

Hospital de Sant’Ana (Parede)

É um hospital da Santa Casa da Misericórdia. As irmãs chegaram em 1910, quando foram expulsas as Irmãs da Caridade francesas. A fundadora do hospital, D. Claudina Chamiço, ameaçou fechar o hospital e Madre Teresa de Saldanha enviou então três irmãs para esta unidade.

 

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Cardeal-Patriarca lembra “a vida de amor” de Madre Teresa de Saldanha

“Deus deu-lhe a capacidade de reduzir e de reconduzir a vida ao amor, de ser explosão de amor em todas as circunstâncias, de só lhe interessar o amor”. Foi desta forma que D. José Policarpo evocou a fundadora das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, numa sessão cultural de comemoração do 175º aniversário de nascimento de Madre Teresa de Saldanha, que decorreu no auditório do Externato de São José, no Restelo, no passado dia 1 de Outubro. Falando de “uma grande portuguesa do século XIX, que ainda viveu a primeira parte do século XX”, o Cardeal-Patriarca de Lisboa garantiu: “Se querem ser fiéis à mensagem de Teresa de Saldanha aprendei, ao mergulhar no amor de Deus, que a vossa força é ser amor”.

Nesta sessão cultural, que incluiu ainda um filme e uma representação sobre a vida de Madre Teresa de Saldanha, além de momentos musicais, a professora Rute Sousa, que prepara uma tese de Mestrado sobre a fundadora das Irmãs Dominicanas, reflectiu sobre a ‘Liderança e Humanidade em Teresa de Saldanha’, salientando “a capacidade que Madre Teresa tinha de vencer sempre a adversidade, quer aquando da fundação da congregação, quer com a implantação da República e a separação das religiosas”. Guilherme d’ Oliveira Martins, cuja bisavó foi aluna de Madre Teresa de Saldanha e o bisavô o médico da congregação, falou de ‘Madre Teresa de Saldanha: um Exemplo de Cultura do Cuidado’, sublinhando o papel que a fundadora das Irmãs Dominicanas teve na alfabetização das raparigas de Lisboa e “a consciência que ela tinha de que a sua obra deveria ser uma congregação de amor, de cuidado, de caridade e, acima de tudo, educativa”.

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