O Papa Francisco não conseguiu conter as lágrimas. A seu lado, na Catedral de São Paulo, em Tirana, o Padre Ernesto Simoni, um sacerdote diocesano de 84 anos, recordou a sua experiência na prisão, os tempos em que foi torturado, condenado a trabalhos forçados por nunca ter renegado Cristo. O Papa Francisco enxugou as lágrimas quando o Padre Ernesto lembrou esses tempos de ditadura estalinista em que na Albânia se decretou a morte das religiões.
Ditadura feroz
As igrejas foram fechadas, convertidas em lojas ou ginásios. Os padres e as religiosas foram assassinados ou presos. Alguns passaram à clandestinidade. Mas acabariam por ser denunciados e presos. Tal como o Padre Simoni, também a Irmã Maria Caleta, de 85 anos, recordou as décadas de ditadura feroz em que a Albânia se fechou ao mundo logo no final da II Guerra Mundial. Presa, condenada também a trabalhos forçados, a Irmã Caleta nunca renunciou a Deus e demonstrou nesses anos sombrios uma coragem invulgar que ainda hoje a surpreende.
Coragem assombrosa
Um dia, caminhava numa rua quando foi abordada por uma mulher, que pertencia a uma família comunista, que lhe pediu para baptizar o filho. Podia ser uma armadilha. Mas como dizer não? Ali mesmo, em plena rua, pegou num pouco de água, verteu-a sobre a cabeça da criança e baptizou-a. Arriscou tudo naquele gesto. Arriscou a própria vida. Hoje, ao lembrar esse episódio, ao lado do Papa Francisco, a Irmã Maria Caleta diz-se assombrada pela sua própria coragem, por ter feito tanto com tão pouco.
Violenta perseguição
A pior censura é a que se instala dentro das pessoas, a que nasce do medo. Na Albânia, durante a ditadura de Enver Hoxha, que liderou o país com mão de ferro desde a II Guerra Mundial até 1985, qualquer pessoa podia ser denunciada. A posse de um terço, de uma Bíblia, de um crucifixo, era suficiente para condenar alguém à morte. A Igreja praticamente sucumbiu perante a violenta perseguição de que foi alvo. Centenas de padres e religiosas foram mortos. Muitos foram fuzilados enquanto gritavam “Viva Cristo-Rei!”
Ateísmo oficial
O regime foi implacável: acabou com os símbolos religiosos e decretou o regime como sendo oficialmente ateu. Perseguiu, maltratou, violentou padres e freiras. Lançou o medo nas pessoas. Ainda hoje se sente um vazio em muitas aldeias dispersas nas montanhas.
São poucos os católicos albaneses. Talvez não representem mais de 10 % da população total do país. Apesar disso, foram dos mais perseguidos durante o tempo desta ditadura a que o Papa Francisco classificou como o “Inverno do isolamento”. Um Inverno que deu ao mundo um extraordinário exemplo de fé e de coragem contra todos aqueles que quiserem fechar o país a cadeado, como se as consciências pudessem ser agrilhoadas por decreto.
Recomeçar de novo
O país de Madre Teresa de Calcutá começa agora a sair da penumbra do passado, a descobrir a força da democracia, a importância do convívio fraterno entre religiões. Ao escutar as memórias sofridas do Padre Ernesto Simoni e da Irmã Maria Caleta, o Papa Francisco lembrou-lhes que “Deus nunca os abandonou”. Num tempo em que o Cristianismo está profundamente ameaçado no Médio Oriente, onde radicais islâmicos impõem as suas regras à força das armas, essa é uma certeza que deve mobilizar toda a comunidade. A ditadura estalinista caiu, as igrejas abriram as suas portas e o povo voltou a rezar em voz alta sem medo de ser preso, torturado e morto. Hoje, na Albânia, a Igreja precisa de ajuda. É preciso voltar a catequizar as crianças e os jovens, voltar a encher os seminários, trazer de novo a fé viva para as ruas. A Igreja da Albânia precisa de ajuda, da nossa ajuda.
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