Entrevistas |
D. Joaquim Mendes, Bispo Auxiliar de Lisboa e novo presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família, da Conferência Episcopal Portuguesa
“O amor da família é o júbilo da Igreja”
<<
1/
>>
Imagem
Eleito recentemente presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família, o Bispo Auxiliar de Lisboa D. Joaquim Mendes considera que é necessário “recuperar o olhar sobre a beleza do amor conjugal e da família, testemunhado por tantíssimas famílias”. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, o prelado destaca ainda a importância da exportação apostólica ‘Amoris laetitia’, onde o Papa Francisco “fala do amor na família de um modo concreto, simples, com palavras que chegam ao coração”.

 

A Comissão Episcopal do Laicado e Família dispõe de departamentos nas áreas da Família, Juventude e Ensino Superior. Nos últimos anos, como vogal desta comissão, acompanhou em particular a Juventude e o Ensino Superior. Quais os desafios que encontrou nestas duas áreas?

Na área da Pastoral Juvenil os desafios foram essencialmente aqueles que o Papa Francisco referiu no discurso que entregou aos Bispos portugueses, aquando da visita ‘ad limina’, em setembro de 2015: o grande número de adolescentes e jovens que abandonam a vida cristã depois do Crisma, um vazio na oferta paroquial de formação juvenil e a necessidade de um melhor acolhimento e acompanhamento dos jovens por parte das comunidades cristãs, de modo que eles sintam a comunidade cristã como uma família.

Na linha do que nos tem dito o Papa Francisco, precisamos de dar tempo e espaço aos jovens nas nossas comunidades, escutá-los, sem respostas pré-fabricadas e acompanhá-los como companheiros de caminho, revendo estruturas, procurando pessoas capazes de os acompanhar e centrando a evangelização no Kerigma e na experiência concreta do serviço, nomeadamente aos mais necessitados.

Na área da Pastoral do Ensino Superior, as Universidades, como refere o Papa Francisco, na Evangelii Gaudium nº 134, são um âmbito privilegiado para pensar e desenvolver um compromisso de evangelização de modo interdisciplinar e inclusivo. Os desafios que se apresentam são os de uma pastoral que parta da situação concreta dos jovens universitários e que ofereça às suas necessidades uma resposta fundada sobre a fé. Uma pastoral de processos e percursos de acompanhamento integrada com outras dimensões formativas da pessoa.

Na reflexão e ação conjunta fomos procurando dar algumas respostas concretas, como a consolidação e ampliação de núcleos cristãos em diversas Faculdades, com ações de formação de lideranças de jovens cristãos nas universidades e a reflexão sobre o papel dos investigadores e docentes na transmissão dos valores cristãos no espaço universitário. O desafio é o da presença/fermento na universidade.

 

O que trouxeram à vida da Igreja, e em particular da Igreja portuguesa, a realização do Sínodo dos Bispos sobre a Família, em 2014 e 2015, e a publicação da exortação apostólica pós-sinodal ‘Amoris laetitia’, em 2016?

A exortação apostólica ‘Amoris laetitia’ está na continuidade da exortação apostólica ‘Evangelii Gaudium’ – da alegria do Evangelho à alegria do amor na família. Hoje não se pode falar sobre a família e sobre a pastoral familiar sem ter em conta o contributo do Sínodo sobre a Família e a exortação apostólica ‘Amoris laetitia’, que concentra o conteúdo essencial da reflexão sinodal que o Papa acompanhou pessoalmente, enriqueceu com a sua experiência pastoral e apresentou a toda a Igreja.

‘Amoris laetitia’ é um precioso documento pastoral, onde o Papa fala do amor na família de um modo concreto, simples, com palavras que chegam ao coração. Fala das famílias com uma clareza que dificilmente encontramos em outros documentos da Igreja, aborda todas as situações familiares sem as catalogar, olha-as e descreve-as com o olhar misericordioso de Deus. Não há condenações nem exclusões.

O Papa convida e encoraja à descoberta da alegria do amor na família, reconduz a família àquilo que é verdadeiramente essencial e importante e fá-lo com uma linguagem direta, simples, compreensível e acessível a todos.

A leitura da ‘Amoris laetitia’ é verdadeiramente reconfortante. É um texto para todos, porque todos, embora diversamente, fazemos parte de uma família, para os que estão dentro da Igreja e fora dela.

 

Mas este documento, que foi publicado há um ano, corre o risco de ser muito canalizado para o acompanhamento dos divorciados recasados. Quais os pontos essenciais desta exortação apostólica?

O primeiro é o olhar positivo sobre a beleza do amor conjugal e da família. Logo no início (nº 1), o Papa diz que o amor da família é o júbilo da Igreja e que apesar dos numerosos sinais de crise do matrimónio, o desejo da família permanece vivo, especialmente nos jovens. É preciso recuperar este olhar sobre a beleza do amor conjugal e da família, testemunhado por tantíssimas famílias.

Um segundo ponto é o espaço que o Papa dedica ao amor e à fecundidade da família, no capítulo IV e V, que constituiu um contributo original muito belo. É uma verdadeira meditação espiritual e existencial para a vida dos esposos.

Um terceiro ponto é então o acompanhamento e discernimento de situações das pessoas divorciadas ou que contraíram uma nova relação, casaram civilmente ou vivem simplesmente em união de facto e que estão dispostas a reverem a sua situação perante Deus e perante a Igreja. Uma missão que é confiada à solicitude pastoral do Bispo diocesano.

Um quarto ponto é o da integração dos batizados que vivem numa segunda união. A exortação é clara a este respeito: “Os batizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo (…). A sua participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais, sendo necessário discernir” (nº 299). Este discernimento é um itinerário espiritual acompanhado por um sacerdote para a tomada de consciência da situação perante Deus e perante a Igreja. Um discernimento que não pode prescindir das exigências da verdade e da caridade propostas pela Igreja, como refere o nº 300 da ‘Amoris laetitia’.

Um quinto ponto é a preparação dos noivos para o sacramento do Matrimónio e a sua celebração que deve ser centrada no amor fortalecido e santificado pela graça do sacramento. O Papa sublinha ainda a necessidade do acompanhamento nos primeiros anos de vida matrimonial.

 

Qual o papel das famílias na evangelização do século XXI?

O papel das famílias foi muito bem definido pelos Padres Sinodais, como podemos ler na Relação da primeira fase do Sínodo, intitulada ‘Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização’: “Que a família se redescubra como sujeito imprescindível para a evangelização” (nº 1); e que “as famílias católicas, por força da graça sacramental e nupcial, são chamadas a ser elas mesmas, sujeitos ativos da pastoral familiar” (nº 30).

Embora a evangelização seja uma responsabilidade de todo o povo de Deus, de cada um segundo o seu ministério e carisma, sem o testemunho alegre dos cônjuges e das famílias, ‘Igrejas domésticas’, o anúncio evangélico corre o risco de ser mal compreendido ou de se apagar no mar de palavras que carateriza a nossa sociedade. Por isso, o papel das famílias na evangelização é imprescindível.

 

Qual a importância de iniciativas diocesanas como a Festa da Família, que em Lisboa vai decorrer no próximo dia 28 de maio, em Alcobaça, naquela que será a sua quarta edição?

O Senhor Patriarca, na mensagem que enviou às famílias para a Festa da Família, sublinhava a importância da experiência, do convívio, da partilha, da celebração, do testemunho de muitíssimos esposos com os anos que levam de vida matrimonial que manifestam que a fidelidade é possível, que o amor é conjugal, apesar de algumas dificuldades, é belo e é fonte de felicidade.

Esta iniciativa sublinha também a importância do acompanhamento das famílias por parte das comunidades cristãs, de modo que estas se tornam cada vez mais ‘família de famílias’ que vive e testemunha a alegria do Evangelho e testemunha a beleza do amor conjugal.

 

O próximo Sínodo dos Bispos, em 2018, tem como temática a Juventude. Em diversas ocasiões, o Papa tem pedido aos jovens para serem também protagonistas da evangelização. De que forma a Igreja em Portugal pode congregar os jovens para esta finalidade?

Temos o tema do Sínodo, ‘Os jovens, a fé e o discernimento vocacional’, e recebemos o documento preparatório que está a ser trabalhado pelos Secretariados da pastoral juvenil em cada Diocese. O objetivo deste documento é de interpelar, interrogar. É um momento de escuta, de discernimento eclesial, de interpretação da situação. Os jovens terão também um sítio on-line, com um questionário dirigido a eles e onde poderão expressar o seu sentir. A partir de todos estes contributos será elaborado o ‘Instrumentum laboris’. É todo um processo com diversas etapas que deverá envolver os organismos eclesiais que acompanham a pastoral juvenil e os jovens.

Creio que este caminho sinodal aproximará as diversas instâncias eclesiais que em cada Diocese se ocupam da pastoral juvenil e levará à mobilização dos jovens, de que certamente resultará a ‘conversão’ da Igreja aos jovens, de modo que eles possam encontrar espaços de inserção, de participação e de corresponsabilidade nas nossas comunidades e se envolvam na sua missão de evangelização e dar o seu contributo para a construção de um mundo melhor.

 

Sobre o Ensino Superior, a CEP apresentou no recente simpósio em Barcelona, promovido pelo Conselho das Conferências Episcopais da Europa, a Missão País como um exemplo “a ser seguido na Europa”. Que contributo este projeto tem deixado na Igreja em Portugal?

No Simpósio de Barcelona partilhámos esta experiência da Missão País no âmbito da ‘Feira de boas práticas’, que fossem verdadeiramente construtivas e que se pudessem replicar em outros contextos. A Missão País é um projeto de jovens, com os jovens e para jovens, para manter viva a sua identidade cristã no espaço académico, com ações formais ou informais, como tempos de oração, celebração da Eucaristia, tertúlias, ações de intervenção social, peregrinações e outras iniciativas. Este projeto começou em 2003 e, desde aí, já se realizaram 154 missões, com a participação de cerca de 2000 jovens, crentes e não crentes.

Estas missões são, acima de tudo, de formação da identidade cristã e, para muitos, a descoberta ou redescoberta de pessoa de Jesus, da beleza do Evangelho, da vida em comunidade e da experiência cristã do serviço que enche e preenche a vida e lhe dá sentido. Para muitos é a aproximação à fé, a Cristo e à Igreja-comunidade. Embora a ação voluntária seja uma das suas vertentes – mas estas missões vão muito para além do voluntariado –, são uma oportunidade de formar consciências dos jovens universitários, futuros líderes da sociedade, para os princípios cristãos e a sua intervenção na sociedade.

 

______________


A Comissão Episcopal do Laicado e Família

As Comissões Episcopais, segundo os Estatutos da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), são órgãos colegiais para domínios específicos da pastoral, para estudar os assuntos da sua competência, propor ao Conselho Permanente da CEP reflexão sobre problemas que surgem no âmbito da sua atribuição, indicar assuntos sobre os quais é oportuno a CEP apreciar e refletir, publicar informações e orientações pastorais sob a sua própria responsabilidade e elaborar relatórios e programas anuais para apresentar à Assembleia Plenária. As áreas de intervenção da Comissão Episcopal do Laicado e Família (CELF) são o acompanhamento pastoral, comunhão e conjugação com os respetivos Secretariados Diocesanos, Direções de Associações e Movimentos eclesiais de tudo o que diz respeito à Pastoral Familiar, Pastoral Juvenil, Pastoral do Ensino Superior, Corpo Nacional de Escutas (CNE) e Conferência Nacional dos Leigos (CNAL), com os 50 Movimentos eclesiais que a constituem e mais 26 não associados que tem ligação à CEP. “A CELF promove a reflexão e partilha de sinergias entre os Secretariados Diocesanos e Movimentos eclesiais, assim como a realização de ações pastorais conjuntas de âmbito formativo e celebrativo”, refere ao Jornal VOZ DA VERDADE o novo presidente desta Comissão Episcopal, D. Joaquim Mendes, salientando que “a CELF não é uma supra estrutura diocesana, mas um órgão colegial de cooperação na sua área específica pastoral entre Dioceses, Associações e Movimentos eclesiais”.

entrevista por Diogo Paiva Brandão; fotos do Arquivo do Jornal Voz da Verdade
A OPINIÃO DE
Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Pedro Vaz Patto
Impressiona como foi festejada a aprovação, por larga e transversal maioria de deputados e senadores,...
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES