Lisboa |
A personalidade dos pastorinhos de Fátima
“A grande mensagem é a da simplicidade”
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É uma das maiores estudiosas portuguesas da personalidade dos pastorinhos de Fátima. A psicóloga Madalena Fontoura há mais de 30 anos que estuda a pessoa de Lúcia, Francisco e Jacinta e acredita que “o grande testemunho dos pastorinhos” é que “não é preciso complicar, não é preciso muitos meios, não é preciso muitos recursos” para “abrir o coração a Deus”.

 

“A Lúcia era uma miúda pespineta, muito prática e mandona, cheia de sentido prático, cheia de responsabilidade, cheia de iniciativa. O Francisco era um miúdo muito metido consigo, muito reservado, muito reflexivo, valente nas coisas ligadas à natureza, mas não particularmente inteligente e não particularmente dotado para as relações humanas. A Jacinta era uma miúda vivíssima, intensa, muito esperta, muito mimada, muito caprichosa, muito afetiva também. Este era o ponto de partida dos três pastorinhos aquando das aparições”. A psicóloga Madalena Fontoura estuda, há mais de 30 anos, a personalidade dos três pastorinhos de Fátima e, por isso, ‘conhece-os’ como poucos. “O que aconteceu foi que, recebendo os três a mesma mensagem, tenho a impressão que cada um deles teve uma vocação em Fátima. Costumo dizer que em cada mês das primeiras três aparições foi a vocação de um deles”, aponta esta estudiosa de Fátima, ao Jornal VOZ DA VERDADE.

 

Maio: Francisco

Para Madalena Fontoura, “o mês de maio é a vocação do Francisco”. “Aquela célebre frase, que ninguém percebe muito bem – nem eu –, que Nossa Senhora disse ao Francisco – ‘Levo a Jacinta e a Lúcia para o Céu, mas o Francisco tem que rezar muitos Terços…’ –, parece assim uma espécie de condição, ou quase um castigo, mas eu entendo-a como um chamamento, uma vocação. E o miúdo, a partir daí, percebeu a oração como um caminho de predileção de Nossa Senhora por ele, e de porta para o Céu, e levou isso a umas consequências incríveis. O Francisco levou a amizade com Jesus de uma maneira que é comovente e é desejável para cada um de nós. Eram horas em oração, a consolar Jesus, a pensar n’Ele, a fazer-lhe companhia, de Terço na mão, com muita simplicidade, mas a consolar Jesus”, destaca a psicóloga.

 

Junho: Lúcia

A segunda aparição de Nossa Senhora em Fátima, a 13 de junho de 1917, “é a mais óbvia, por ser a vocação de Lúcia”, refere Madalena Fontoura. “Quando Nossa Senhora lhe diz: ‘Tu ficas cá mais algum tempo. Deus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar’, Lúcia fica muito atordoada com isso e até reclama, dizendo: ‘Então eu fico cá sozinha?’. A vocação da Lúcia é ajudar a estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria. E ela percebe isso tão bem que, quando se faz Carmelita, – que é quando tem ocasião de escolher o seu nome, porque como Doroteia teve outros contornos, por conta da perseguição –, já perto dos 50 anos, chama-se a si mesma Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado. Ela inscreve no seu nome a missão que lhe foi dada por Nossa Senhora. Acho que Lúcia levou isso até às últimas consequências, na simplicidade da sua vida, no tempo que cá passou, na maneira como se relacionou com todos, na obediência às indicações que recebia do Céu e até numa relação muito simples, mas muito firme, com todos os padres, bispos e Papas, até a missão estar completamente cumprida. Lúcia tinha um temperamento muito prático, muito decidido e, ao mesmo tempo, muito ‘mandão’ – porque, de facto, foi-lhe confiado o ter que dar indicações claras até à hierarquia da Igreja e ela levou isso com a mesma decisão com que tomava conta das crianças de Aljustrel”, descreve.

 

Julho: Jacinta

Na aparição de julho, “que é a aparição dos grandes segredos”, de acordo com esta estudiosa de Fátima, “há aquele aspeto da visão do inferno, que obviamente os perturba muito a todos, mas Jacinta é a que leva aquilo mais a peito”. “Ela, de repente, enche-se de compaixão pelos pecadores. É muito bonito, porque é um feitio muito afetivo e essa afeição se estende – para além da mãe, da Lúcia e do Francisco – para a humanidade inteira. Jacinta é capaz de amar os que não vê, os que não são bons, os que não são próximos, os que não fazem coisas bonitas. Isso torna-se, nela, num vigor de personalidade, de certeza e de capacidade de sacrifício absolutamente incrível, como aliás testemunhará, já em Lisboa, o médico que a operou antes de ela morrer – e que tinha feito um relatório sem saber de quem estava a falar –, porque Jacinta aguentou uma operação quase a sangue frio, uma vez que devido à extensão da infeção a anestesia não pegou suficientemente bem”, relata.

 

Alterações na personalidade?

Questionada sobre se as aparições de Nossa Senhora terão mudado a personalidade dos pastorinhos, Madalena Fontoura acredita que “as aparições aprofundaram, e fizerem desabrochar”, as personalidades de Lúcia, Francisco e Jacinta Marto. “É como se eles, acolhendo aquele chamamento, tivessem percebido para o que foram feitos e por que eram feitos assim. O que aconteceu aos pastorinhos foi uma rápida e belíssima maturidade”, garante.

Esta psicóloga salienta que “a irmã Lúcia teve tempo para amadurecer, mas os pequeninos não tiveram e amadureceram de uma maneira incrível”. “O Francisco viveu uma grande simplicidade, só a levar a oração a sério, e é particularmente impressionante a maneira como ele morreu, muito certo da companhia de Jesus e muito desejoso de fazer tudo o que tivesse ao seu alcance para consolar Jesus. A certa altura, quando se confessa para morrer, pergunta à irmã e à prima se se lembram dos pecados que ele fez. Eles todos tinham uma amizade que era preocupada com o Céu, por isso ajudavam-se nisso”, aponta.

No início do século passado, aquando das aparições, “havia a Primeira Guerra Mundial a decorrer, havia uma perseguição tremenda à Igreja em Portugal, havia a revolução russa que tinha acabado de rebentar e a instauração do sistema soviético tão ateu e tão antirreligioso”, mas, para Francisco, “eram os pecados dele que faziam Jesus estar tão triste”. “É uma coisa incrível, porque nós achamos sempre que os nossos pecados não são assim tão grandes e, com certeza, que Nosso Senhor está triste por causa dos ‘pecadões’ dos outros, que fazem guerras, maldades, corrupções e outras desgraças. Este pôr na primeira pessoa, dar tudo por tudo para que a minha parte se cumpra na relação com Deus é algo incrível de maturidade e de beleza, que eles testemunharam”, frisa.

Em Jacinta, “a preocupação pela conversão dos pecadores torna-a uma perita em humanidade”. “Quando ela vem para Lisboa, Madre Godinho, a senhora que a recebe no quarto na Estrela, pergunta-lhe: ‘Jacinta, essas coisas que tu dizes, quem é que te as ensinou?’. E ela responde: ‘Umas foi Nossa Senhora, outras sou eu que as penso porque gosto muito de pensar’. Mas ela tinha só 9 anos. Quer dizer que no encontro com Nossa Senhora e no levar a sério, na sua própria carne, nos sacrifícios que fazia, pela conversão dos pecadores, ela compreendeu o mistério da humanidade a uma dimensão que é quase impossível fazer com aquela idade”, afirma esta estudiosa de Fátima, sublinhando que “havia uma humanidade atrativa nos pastorinhos”. “As pessoas gostavam de estar com eles, de falar com eles, de os ir visitar ao quarto”, recorda.

 

Um Deus próximo

Francisco e Jacinta Marto vão ser canonizados neste dia 13 de maio, em Fátima, pelo Papa Francisco, e vão-se tornar nas primeiras crianças não-mártires a serem santas da Igreja. Sobre o testemunho que os pastorinhos podem deixar à Igreja e em especial às crianças de hoje, Madalena Fontoura acredita que “a grande mensagem é a da simplicidade”. “Não deixa de ter a sua graça que eles venham a ser canonizados por este imprevisível, e improvável, Papa Francisco. Porque, se há coisa que ele tem feito ao longo deste pontificado é tentar transmitir, exprimir, testemunhar a fé como uma experiência simples e próxima, com um Deus próximo, pronto a acolher-nos”.

Esta estudiosa de Fátima garante ainda que o testemunho dos pastorinhos ajuda as pessoas a aproximarem-se de Deus. “O que acontece com os pastorinhos é que não há nenhuma vida, não há nenhuma pessoa que se possa sentir dispensada ou incapaz de se aproximar de Deus diante do testemunho dos pastorinhos. Com o testemunho deles, é tudo tão simples, tudo tão à medida de cada um que não há vida nenhuma, tão esquecida, tão sozinha, até tão precária, onde a experiência da fé não possa ser vivida. Mais simples do que a vida dos pastorinhos é difícil. O grande testemunho é que não é preciso complicar, não é preciso muitos meios, não é preciso muitos recursos, não é preciso muito tempo. É só preciso abrir o coração, porque o que Deus faz connosco é muito maior do que aquilo que nós somos. Por isso, acho muito engraçado que tenha calhado ao Papa Francisco canonizar os pastorinhos”, termina Madalena Fontoura.

 

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Madalena Fontoura, uma estudiosa de Fátima apaixonada pelos pastorinhos

Licenciada em Psicologia, Madalena Fontoura é, desde há quatro anos, diretora do Colégio do Ramalhão, em Sintra. “A Igreja tem sido um lugar e uma morada constante, que começou precisamente com a pertença à Associação dos Servitas de Nossa Senhora de Fátima, à qual pertenço desde os 15 anos. Tem sido um serviço em Fátima continuado e muito vivo. Mais tarde, houve o encontro com o movimento Comunhão e Libertação, ao qual pertenço e que hoje em dia é um pouco o rosto da minha pertença à Igreja”, resume. Natural de Lisboa, onde nasceu em 1961, Madalena é a mais velha de três irmãs. “A minha mãe morreu, de leucemia, quando eu tinha 17 anos. Também me parece que, nesse sofrimento grande, houve aqui um lugar muito grande para Nossa Senhora, que é a Mãe de que disponho”, lembra.

Sublinhando que Fátima é uma presença na sua vida “desde pequenina”, Madalena Fontoura recorda que, para prestar serviço nos Servitas, teve de receber muita formação sobre Fátima. “Como o tema me interessava, fui lendo mais e estando muito atenta a tudo o que ouvia e a tudo o que recebia. Nos anos 80, umas pessoas minhas amigas organizaram um colóquio em Fátima e convidaram-me para fazer uma palestra sobre os pastorinhos. Ainda pedi para trocarem de tema, porque eu não percebia absolutamente nada dos pastorinhos, mas como era psicóloga a ideia da organização era que eu fizesse a análise psicológica dos pastorinhos. Respondi que nunca tinha feito isso de mortos, mas o pedido persistiu e então fui ler muitas coisas à procura da pessoa deles, da personalidade deles. Foi um manancial de descoberta para mim espantoso! Perceber o que é que era cada um deles, depois começar a perceber que cada um deles tinha reagido à mensagem de Fátima de uma maneira diferente, depois começar a perceber que a missão que cada um dos pastorinhos tinha na mensagem de Fátima estava relacionada com o seu temperamento – portanto, perceber um desígnio incrível de diálogo entre o Céu e a terra, que é o de aproveitar o que cada um é para uma missão, e como cada um desabrocha a partir daquilo que já é, mas no encontro com a graça de Deus”, testemunha ao Jornal VOZ DA VERDADE.

Autora do livro ‘Os Pastorinhos de Fátima: iguais a todos, iguais a nós’, publicado recentemente pela Princípia, Madalena Fontoura explica que a sua obra retrata “tudo o que a irmã Lúcia nos contou mas posto por ordem e numa linguagem simples, próxima das pessoas”. “O que tentei foi que para uma pessoa que queira conhecer os pastorinhos, conhecer os factos que lhes aconteceram, conhecer o pós-aparições e ter uma reflexão sobre o significado disso, fazer isso de uma forma breve e simples. Foi este o serviço que quis prestar e foi o meu contributo para este centenário das aparições”, afirma.

 

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Sinopse de ‘Os Pastorinhos de Fátima: iguais a todos, iguais a nós’

No ano em que se comemoram 100 anos sobre as aparições de Fátima, este livro convida-nos a olhar para os testemunhos e a mensagem que Nossa Senhora nos deixou com um olhar renovado e abrangente. O percurso singular que Madalena Fontoura nos leva a fazer segue quer a cronologia dos acontecimentos de há 100 anos, fazendo-nos revisitar os testemunhos que nos deixaram na primeira pessoa aqueles que os viveram nas suas vidas, quer os vários aspetos da Mensagem perene que a Virgem deixou a todo o mundo em 1917 – nem só aos três pastorinhos da Cova da Iria e a quem os acompanhou mais de perto na sua vida, mas a todos os que procuram o Deus do Amor e que, como bem sublinha a autora, são, tal como aquelas três crianças simples, peregrinos nesta Terra à procura da salvação que só Deus pode dar. Porque todos são, como os pastorinhos foram, chamados à santidade e a corresponder ao Amor incondicional do Pai do Céu.

Editora Lucerna

 

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Os retratos oficiais dos pastorinhos foram apresentados, em Fátima, no passado dia 8 de maio e têm por base as fotografias utilizadas na beatificação em 2000, com uma formulação plástica que mostra a psicologia dos dois santos. “Jacinta olha de frente para o observador, em atitude de interpelação; Francisco ergue os olhos ao alto, apontando para uma atitude eminentemente contemplativa”, refere uma nota da Postulação de Francisco e Jacinta Marto sobre as imagens, que vão estar colocadas na fachada da Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima para a cerimónia de canonização.

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