Domingo |
À procura da Palavra
Ser com os outros
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DOMINGO XXX COMUM Ano C

“Meu Deus, dou-Vos graças

por não ser como os outros homens.”

Lc 18, 11

 

Releio com imenso gosto os autos de Gil Vicente, convicto de quem nenhum outro dramaturgo português criou figuras-tipo como ele. Personagens que são maiores que as pessoas que representam e capazes de nos fazer “enfiar a carapuça” em muitas das suas palavras e atitudes. E dele me lembrei ao confrontar-me com esta parábola de Jesus que conhecemos como “do fariseu e do publicano”. Quase esquecemos que S. Lucas a contextualiza com uma apresentação: “para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros”. E pensamos: “Não é para nós, claro!”


O templo é o lugar que atrai os dois, com o propósito comum de orar a Deus. Somos introduzidos por Jesus nas palavras que ambos dirigem a Deus. Moralmente, o fariseu é irrepreensível, e o publicano bastante reprovável. Mas será isso que está em causa? Poderemos reprovar o zelo da Lei que o publicano apresenta? Ou concordar com o que era frequente os publicanos, cobradores dos impostos públicos a favor da governação romana, faziam aos seus conterrâneos, enriquecendo ilicitamente? Não, a questão é mais profunda.


O fariseu incensa-se diante de Deus. Apresenta os seus méritos, enaltece as suas virtudes, apresenta faturas do que acha que Deus lhe deve pagar por ser tão cumpridor. Está na situação limite do “face-a-face” com Deus mas como se se olhasse ao espelho, sem nunca abrir o coração, nem sentir qualquer fragilidade. Começa mesmo por “dar graças” por não ser como os outros: com tantos méritos, investe-se em julgar e condenar os outros. Será que nunca sentimos uma pontinha de tudo isto dentro de nós? O publicano, à distância, de olhos baixos, bate no peito. Apresenta-se como pecador e pede compaixão. Sabe que tem um trabalho “pecaminoso” segundo a lei, que é um vendido aos opressores romanos, e é também, porventura, ladrão, pois era costume cobrar-se um pouco a mais. Não se justifica nem apresenta atenuantes; simplesmente rasga o coração. Sente-se frágil e reconhece a grandeza de Deus. Quantas vezes não foi também esta a nossa oração?


A tentação religiosa do fariseu marca muitas expressões religiosas. O condomínio privilegiado dos perfeitos, dos cumpridores, dos que “não são como os outros”, fechados numa autossuficiência que consola e inebria mas a quem falta coração, fragilidade e proximidade. Não é por acaso que o significado de “fariseu” seja “separado”. A realidade frágil do publicano é condição para o amor, para necessitar do outro e gostar dele, encontrar graça na comunhão, saborear o dom e a partilha. A nossa limitação unida à sede de infinito, relativiza todos os méritos e sobrevaloriza o encontro, tudo o que podemos ser com Deus e com os outros. Que percentagem de fariseu e de publicano seremos nós também? Que graças damos a Deus? Por não ser como os outros, ou por querer ser mais com eles e com Deus?

P. Vítor Gonçalves (ilustração por Tomás Reis)
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