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Guilherme d’Oliveira Martins
Chamados à primeira linha…
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Ao visitar o Iraque, o Papa Francisco contribuiu decisivamente para que se abram caminhos para um movimento corajoso no sentido de um diálogo entre religiões e povos, que conduza os governantes da região a delinearem a sua ação no sentido da Paz. Sabemos que as condições são adversas e extremamente difíceis e incertas, por isso muitos tentaram dissuadir o Papa no seu desejo de concretizar esta viagem. Contra ventos e marés, o Sumo Pontífice persistiu no seu corajoso intento e realizou esta visita essencialmente ecuménica, como um gesto de conciliação e boa vontade. Muitos esperavam esta peregrinação necessária, mas não esperavam que tivesse lugar tão cedo, e em circunstâncias tão difíceis, que levaram o Papa a arriscar a sua própria saúde e a vida. Mas era fundamental não esperar mais. E a escolha de Ur, lugar das origens de Abraão, Pai das grandes religiões monoteístas, é a demonstração de que estava em causa a urgência de uma iniciativa unificadora. E assim aconteceu, até para ouvirmos palavras exigentes e necessárias: “Hostilidade, extremismo e violência não nascem de um espírito religioso; são traições à religião. Nós, crentes, não podemos calar-nos quando o terrorismo abusa da religião”. Eis o que deve ser ouvido por todos, já que em todos os pontos cardeais e em todas as religiões sentimos que há vozes que descreem desta verdade elementar. Quantas vezes prevalece a intolerância e o desrespeito mútuo, em nome da indiferença e do esquecimento sobre o primado da dignidade humana. “Hoje rezamos por todos os que padeceram sofrimentos horríveis e por todos os que ainda se encontram desaparecidos e sequestrados. E rezamos para que em toda a parte se respeite a liberdade de consciência e a liberdade religiosa, que são direitos fundamentais”. Infelizmente há ainda quem não compreenda os princípios fundamentais em que assenta a herança de Abraão e de quantos lhe sucederam ao longo dos séculos. Mas é preciso que tal aconteça!

Esta viagem histórica coincide com o oitavo aniversário do pontificado do Papa Francisco, eleito a 13 de março de 2013, e permite realçar a marca de fraternidade que tem caracterizado este magistério. Ao escolher a invocação do Santo de Assis fê-lo por causa dos pobres e dos deserdados e não se tem cansado de afirmar a Igreja como realidade viva atenta aos sinais dos tempos, às injustiças, à indiferença, à fome e à miséria – em nome da dignidade humana. Tem, por isso, o Papa Francisco afrontado os temas mais difíceis: o risco de corrupção, a pedofilia, as desigualdades, a pandemia, a necessidade de chamar todos quantos constituem o Povo de Deus a responsabilidades partilhadas no seio da Igreja. Ao lermos as Exortações Apostólicas: “Evangelii Gaudium”, “Amoris Laetitia” e “Gaudete et Exultate” compreendemos que a verdadeira alegria da Graça de Deus e das Bem-Aventuranças exige atenção e cuidado, generosidade, sobriedade e capacidade de ir ao encontro de quem precisa de nós. Nestes tempos de pandemia, de confinamento e de separação temos de encontrar novas formas de encontro e de compreensão do próximo. A exceção em que vivemos corresponde a um tremendo “estado de necessidade”, que nos obriga a prevenir a morte dos mais frágeis. O descuido, o egoísmo, a desatenção têm como consequência o flagelo da doença e da morte de muitos dos nossos irmãos. E se referi as lições das Exortações, devo lembrar os textos luminosos de três Encíclicas de importância capital: “Lumen Fidei”, escrita com o Papa Bento XVI, ligando Fé e Razão, Liberdade e Responsabilidade; “Laudato Si’”, um documento para a sociedade toda, que é profético, uma vez que nos coloca perante a exigência de salvaguardarmos a Natureza e o Meio Ambiente, contrariando o aquecimento global e combatendo o consumismo e o desperdício; e “Fratelli Tutti”, em nome de uma fraternidade necessária e autêntica.  

E termino a citar a Carta dirigida ao Papa Francisco por María Lía Zervino, Presidente da União Mundial de Organizações Femininas Católicas: «sonho que, durante o Teu pontificado, inaugures, juntamente ao Sínodo dos Bispos, um Sínodo diferente: o Sínodo do Povo de Deus, com uma representação proporcional do clero, dos consagrados e das consagradas, dos leigos e das leigas. Não seremos mais felizes só porque uma mulher vota pela primeira vez, mas porque muitas mulheres leigas preparadas, em comunhão com todos os outros membros desse Sínodo, possam dar o seu contributo e o seu voto, que se juntará às conclusões que serão colocadas nas tuas mãos. Provavelmente, Santo Padre, Tu já tens esta “carta no teu baralho” para colocar em prática a sinodalidade apenas no momento certo para a jogar». Todos somos chamados à primeira linha, como os heróis que têm cuidado nos hospitais das vidas de quem tem sido afetado pela pandemia, de que ainda não nos libertámos, devendo manter cuidados redobrados. Todos não somos demais. Os nossos próximos são aqueles cuja vida temos de salvar.