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João Cordovil Cardoso: ?Tem de se viver a Igreja em família, para que a família possa também ser Igreja? (com vídeo)
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João Cordovil Cardoso faz parte da Direcção Nacional dos CPM (Centros de Preparação para o Matrimónio) e em análise à mensagem deixada por Bento XVI no Porto defende que os cristãos devem “viver a Igreja em família, para que a família possa também ser Igreja”. Pai de três filhos, João Cordovil Cardoso assegura ainda à VOZ DA VERDADE que “os pais devem ser para os filhos os primeiros testemunhos de fé e do amor de Cristo”.

No inicio da homilia na Missa na Avenida dos Aliados, no Porto, o Papa convidou a que cada cristão “se torne testemunha da ressurreição”. Deverão os pais ser para os filhos as primeiras testemunhas da ressurreição?

Seguramente! Porque se pensarmos no compromisso que assumimos no sacramento do matrimónio, aquele que é mais difícil, pelo menos para mim, é o de educar os nossos filhos na fé cristã. Como todos sabemos, a educação faz-se muito mais por exemplo do que por aquilo que se diz. Ou seja, se nós dissermos coisas muito bonitas mas vivermos o contrário, será difícil… portanto considero que os pais devem ser para os filhos os primeiros testemunhos de fé e do amor de Cristo.

 

“É Cristo ressuscitado. E apareceu aos seus amigos, mostrando-lhes a necessidade da cruz para chegar à ressurreição”, disse ainda Bento XVI no Porto. Neste mundo onde tudo são ‘facilidades’, como explicar ao filhos que todos nós carregamos uma cruz?

Essa é talvez uma das dificuldades maiores… porque é difícil entender o sofrimento! As dificuldades são sempre difíceis de entender… aliás, há sempre a tentação de perguntar: ‘Mas porquê a mim, meu Deus? Porque me acontece isto…?’. Mas isso é algo que se vai aprendendo com a vida e aprendemos também que Deus está presente em todas as coisas! Não é Ele que provoca o sofrimento. Ele está presente no sofrimento e ajuda-nos a sair dele. Portanto, será mais uma vez partindo do exemplo que damos aos nossos filhos de como ultrapassamos situações de crise que lhes vamos ensinando. E isto pode acontecer em coisas tão simples como a vida de todos os dias. Obviamente que não há casamentos ou famílias onde não haja problemas, mas a dificuldade por vezes passa por aceitar que os problemas são ultrapassáveis. Temos é de trabalhar para isso! No fundo, esse é o grande testemunho que é preciso dar: de que vale a pena continuar a lutar porque o fim a que Cristo nos trouxe é a Ressurreição! É de facto para aí que vamos, através das mais variadas coisas que nos vão acontecendo. Mas de facto, não é a coisa mais fácil de explicar a um miúdo pequenino. Não é a dizer ‘Olha, isto agora está-te a correr tudo muito mal, mas Jesus está contigo’, mas a pouco e pouco eles vão percebendo que se no dia-a-dia de uma família estiver a presença de Deus, então essas situações de crise também vão ser superadas com a ajuda d’Ele.

 

Segundo expressou o Papa nos Aliados, “o cristão é, na Igreja e com a Igreja, um missionário de Cristo enviado ao mundo”. Como se motiva uma família – com os seus filhos – a ser missionária, como pediram também os bispos portugueses na recente Carta Pastoral ‘Para um rosto missionário da Igreja em Portugal'?

Essa é para mim a mensagem que me tocou mais profundamente, de todas aquelas que o Papa nos deixou. A grande falha da nossa Igreja nos últimos tempos é esquecermo-nos que somos missionários! Passamos muito por uns dados adquiridos, de que chega ir à catequese e que basta ler umas coisas… é para mim, através do testemunho de todos os dias e da forma como temos Cristo presente nas coisas mais simples e nas mais complicadas que podemos ser missionários! Mais uma vez, não é por palavras, é por acções! Cristo fez muito mais por acções do que por palavras! E só seguindo o exemplo d’Ele é que o podemos fazer…

E se isto se aplica, de uma forma genérica, à sociedade, muito mais se aplica à família. Como dizia há pouco, é através dos exemplos dos pais, tios, avós que se estimula os filhos, para que depois eles na sua vida futura sejam capazes de discernir como devem agir perante tal situação. Personalizando um pouco a questão, acho que o facto de os meus filhos serem activos em Igreja dentro dos mais variados grupos e domínios, aconteceu porque sempre viram isso acontecer em casa. E eu, de certa maneira, também vi os meus pais e os meus avós a colaborar na Igreja! Tem de se viver a Igreja em família, para que a família possa também ser para os outros Igreja e testemunho.

 

“Nestes últimos anos, alterou-se o quadro antropológico, cultural, social e religioso da humanidade; hoje a Igreja é chamada a enfrentar desafios novos”. Que novos desafios são estes e que papel poderá ter a família na sua concretização?

Os novos desafios são imensos! Desde coisas tão simples como a linguagem não poder ser a mesma que era, as próprias situações que se vivem serem diferentes, o envolvimento social e cultural ser hostil à fé de uma forma genérica. Vivemos numa sociedade muito materialista que não tem lugar ao espiritual. Há desafios também na forma de chegar aos outros, porque já não podemos partir com a ideia que vivemos em sociedades evangelizadas. Se perguntarmos a algumas pessoas quem é Jesus, muitos nem sequer sabem. Temos problemas com a comunicação social, porque quando se diz ‘a Igreja disse isto…’, não é de facto aquilo que o Papa disse, mas sim a interpretação daquele jornalista àquilo que o Papa disse. No fundo há cada vez mais dificuldades em mostrar aos outros as razões pelas quais acreditamos, o porquê de termos esperança!

 

No Porto, Bento XVI pediu ainda que “em cada celebração eucarística” os cristãos oiçam “mais atentamente a Palavra de Cristo” e saboreiem “assiduamente o Pão da sua presença”. Levar os filhos à Eucaristia deixou de ser uma das preocupações das famílias?

Sim é verdade! Os meus filhos passaram todos pelo Colégio São João de Brito e uma das coisas que mais me fazia confusão era estarmos num colégio católico, a preparar alunos para a primeira comunhão, quando sabíamos à partida que no domingo seguinte os pais já não os iriam levar à Missa! Miúdos de 9, 10 ou 11 anos não vão à Missa sozinhos! Muitos se calhar até interiorizaram a necessidade de participar na Missa dominical… mas os pais não os levam e então eles não vão! Penso que a Igreja tem aqui um trabalho a fazer. Lembro-me que há uns anos ia no carro e os meus filhos iam a conversar, quando o do meio, por qualquer razão, disse que não queria ir à Missa e a mais velha disse: ‘Este ainda não percebeu a vantagem de ir à Missa’. No fundo acho que é isto: mostrar que a Eucaristia não é uma obrigação, mas uma vantagem! Primeiro porque é mais fácil escutarmos a Palavra de Deus; depois porque temos aquela sensação de pertença e o estarmos todos juntos, em comunidade, em oração com toda a Igreja. Mas devia partir dos pais esta explicação: mostrar que ir à Missa não é obrigação, mas sim onde vão buscar forças para sobreviver a semana toda.

 

“Somos chamados a servir a humanidade do nosso tempo, confiando unicamente em Jesus, deixando-nos iluminar pela sua Palavra”. Como se poderá introduzir as crianças na leitura da Bíblia?

Este é um pouco o problema do ‘ovo e da galinha’. Por onde começamos? Pelos pais ou pelos filhos? A maioria dos católicos não lê a Bíblia… conhece as leituras que ouviu na Missa, isto se for à Missa. E quando lêem, fazem-no como se fosse um romance… A leitura rezada da Bíblia é uma coisa que nos ajuda a conhecer Jesus e a chegar ao Pai. Uma vez fazendo isso, toda a gente entra na ‘onda’. Mas indo concretamente à questão dos meus filhos, lembro-me de uma série que havia na televisão que era as ‘Histórias Bíblicas’ que eram uma forma de chegar às crianças, uma forma de lhes mostrar a Bíblia, não com a preocupação da mensagem, mas para lhes dar a conhecer os personagens! É através dessas histórias que podemos começar a despertar o interesse e a curiosidade nas crianças para a leitura da Bíblia. Mas também temos de trabalhar com os pais! Temos de trabalhar com os nossos casais para lhes mostrar que quando casam pela Igreja devem mesmo educar os filhos na fé cristã! E não é preciso de fazer um grande curso de teologia para explicar os filhos o que é Deus e o que é a Igreja.

 

“Nada impomos, mas sempre propomos”, sublinhou o Papa na Eucaristia no Porto. Este deve ser também um alerta na educação cristã das crianças, concorda?

Eu acho que sim, porque se começamos a impor muita coisa caímos no que era a religião judaica farisaica. Com 300 ou 600 regras, que tinham de ser todas cumpridas e como ninguém as sabia todas fazia com que as pessoas andassem sempre em pecado… De facto, Cristo libertou-nos e mostrou-nos que o que interessa é o amor: ‘Não é o Homem que é feito para a lei, mas sim a lei que é feita para o Homem’! É este o sentido da Palavra: temos um caminho que nos é mostrado pelo amor de Deus e à medida que caminhamos vamos levando uns connosco, ajudando outros a ir, caímos, levantamo-nos… mas sabendo sempre que tudo isto é uma proposta! Não é uma imposição! Deus gosta tanto de nós que nos deixa escolher, não nos obriga a ir só para um lado. Nós podemos errar, cometer asneiras e Deus continua a estar sempre disponível para nos aceitar, mesmo quando fazemos asneiras!

 

Perfil

João Cordovil Cardoso, de 55 anos, é engenheiro de telecomunicações na Portugal Telecom. Está casado há 27 anos, tem três filhos (com 26, 22 e 18 anos) e faz parte da paróquia de São Jorge de Arroios, do CVX e da Direcção Nacional dos CPM (Centros de Preparação para o Matrimónio).

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