Artigos |
apagar
Recomeçar, na verdade (por Hermínio Rico, sj.)
Recomeçar é sempre uma grande oportunidade. Há tempo pela frente, tudo parece possível, aprendeu-se algo com as experiências anteriores, podem agora evitar-se erros de inexperiência. Novas energias estão disponíveis, depois da interrupção que restaurou forças.

Mas o verdadeiro potencial dum recomeço só é explorado se se consegue chegar até às fontes da motivação, ao fundamento daquilo que dá sentido e sustenta o esforço continuado que a realização dos objectivos, agora antecipados com entusiasmo, vai exigir. É isso, acima de tudo, que importa voltar a activar em todos os recomeços. Temos que redescobrir as bases de sentido que levam à entrega com empenho. Recomeçar só vale mesmo se for um começar de novo como se fosse a primeira a vez (mas já com muitas vantagens de não o ser).

Não pode ser, portanto, um mero exercício de continuidade, onde se procura sobretudo fazer valer o que se tem estado a fazer, duma forma defensiva, se não até manipuladora. Isto é recomeçar movido pelo desejo de nada mudar, à cautela, procurando salvaguardar o que se fez, mas sobretudo quem fez. Não é recomeço, porque quer evitar toda a avaliação rigorosa. Usam-se uns tantos dados que servem para mostrar que o caminho está certo, que está a dar resultado, no imediato. É um exercício de cosmética que pode diminuir a ansiedade, mas de facto não liberta a motivação e o sentido de finalidade de um verdadeiro recomeço.

O contrário, achar que tudo tem estado mal, exigir mudanças generalizadas, oferecer uma resposta totalmente nova, é proposta que sofre das mesmas limitações da posição defensiva. A vontade de mudar tudo, sem destrinças nem critério claro, corre o risco de estar ao serviço da velha máxima: «é preciso que algo mude para que tudo continue na mesma». Mais uma vez, fica-se pelo superficial imediato, pelo que parece e pode até chamar a atenção. Mas não se chega ao fundo, à clarificação da finalidade capaz de afastar dúvidas, iluminar caminhos e mover vontades e acções.

Estamos todos, no início de um novo ano escolar, depois das pausas das férias de Verão, a recomeçar. Com vontade de ir ao fundo, de recuperar a motivação original? Para isso é preciso coragem para avaliar bem, encarar a realidade como ela é, e desejo forte de responder aos desafios, deixar-se mover pela esperança, construindo confiança.

O país está a precisar de um recomeço. Verdadeiro. Recomeço que nos faça recuperar a razão de ser de esforços e sacrifícios como promessa credível de um caminho construtivo de justiça e desenvolvimento duradouros. Recomeço assente na verdade, verdade do que somos e queremos/podemos ser e verdade da situação conjuntural em que nos encontramos. Recomeço que dispensa – tem até que rejeitar – os discursos fáceis que escondem as dificuldades e manipulam os sinais positivos, ou se limitam a acusar erros passados e a propor alternativas mágicas que tudo resolverão facilmente.

Redescobrir os fundamentos do nosso desígnio como comunidade social e política, para fortalecermos a experiência de sentido colectivo, a motivação solidária e uma esperança mobilizadora, é responsabilidade de todos, mas sobretudo daqueles, indivíduos e instituições, que têm papéis de liderança. Exigir dos responsáveis a coragem de enfrentar a realidade na verdade é algo que ninguém se pode dar ao luxo de menosprezar. Recomecemos, todos!