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Partilhar ? a hora dos cidadãos (por A. Pereira Caldas)

E aí está ele, já com um mês decorrido, o tão temido 2011…

Já se sabe, a culpa deste temor é da crise. A crise que tem as costas largas e serve para justificar, primeiro, as asneiras que se fizeram para escamotear as suas consequências, depois as medidas duríssimas que foi indispensável tomar para as combater quando já não era possível escondê-las.

Então e agora? Que fazer? Que havemos nós, os cidadãos, de fazer?

Para já, deixemos aos governantes o papel que lhes cabe. Eles hão-de desempenhá-lo como sabem, navegando à vista, errantes, num mar coberto por um denso nevoeiro de palavras e acções. E tudo o que disserem ou fizerem sê-lo-á sempre em nome dos superiores interesses nacionais – coisa que conseguem afirmar com o ar mais sério deste mundo… – e com os olhos postos num futuro risonho, oásis redentor de todos os sacrifícios impostos ao crédulo povo que, embriagado pelas suas promessas, os sentou no poder.

Deixemo-los a debater, numa confusão de declarações, contradições e visões, como resolver a premente questão da dívida soberana – duas palavras que, juntas, nada diziam ao cidadão comum e agora dizem demais… – e preocupemo-nos em encontrar os melhores caminhos para a defesa dos nossos interesses, enquanto comunidade com direitos e deveres inalienáveis. Esses, sim, os verdadeiros superiores interesses do país.

Claro que não é fácil. Diga-se o que se disser, a crua realidade é que o tecido social está retalhado pelo desemprego e pela ameaça real do aumento da pobreza, com a classe média a resvalar para a fronteira da insolvência e o nosso património de valores seriamente abalado nos seus alicerces, senão mesmo a caminho de uma lenta mas eficaz destruição. Como acontece com a família da forma mais gritante.

Perante esta situação, a primeira das primeiras prioridades é repor alguma da justiça social perdida. É olhar, com olhos de ver, para os casos em que viver raia os limites da sobrevivência – que são milhares – e tentar reduzir os desequilíbrios que os provocam, semeando um pouco de esperança onde só existe a certeza inóspita de um dia-a-dia que se repete, cada vez mais rude e difícil.

E, ao nosso alcance, para desencadear essa luta, só uma arma existe: a partilha. A partilha assumida como um imperativo moral e cívico que nos coloca a todos, cidadãos conscientes, perante a perspectiva, para muitos talvez nova, do serviço ao próximo.

Há muitas formas de partilhar – sendo certo que todas elas convergem num único significado: dar um pouco do que se tem àqueles que nada têm. Simplesmente – e isto em especial para nós, cristãos – levar à prática aquele que é o mais belo dos Mandamentos gravados nas tábuas de Moisés: amar o próximo como a nós mesmos.

É este sentimento, que ultrapassa os limites da solidariedade para verdadeiramente se transformar em Amor, que impele a vontade de cada um de nós a fazer da ajuda aos que mais sofrem um autêntico objectivo de vida.

Dir-se-á que existe aqui alguma utopia. Que é preciso ter em conta o egoísmo que campeia por aí e que é a causa de que tudo se faça, tudo se leve na frente – a própria consciência também – em nome do “ser” e do “ter”. É capaz de haver nisso alguma razão. Mas, em contrapartida, é bom recordar o exemplo do extraordinário sucesso das campanhas de recolha de alimentos levadas a cabo pelo Banco Alimentar Contra a Fome – a prova provada de que o egoísmo nem sempre tem a força que se lhe quer atribuir. Sobretudo quando o que está em causa vai muito para além do meramente conjuntural e se projecta no futuro colectivo.

Está, pois, nas nossas mãos procurar levar por diante a luta contra a situação em que a incompetência e o irrealismo nos colocaram. É a nossa vez de dizer “presente” e de brindar os responsáveis com a lição de cidadania e de verdadeira consciência social que merecem.

Que, ao menos, a saibam humildemente aproveitar.