Artigos |
apagar
Os cristãos e a crise (por A. Pereira Caldas)
Um dos vectores essenciais do combate à crise em que a incompetência e o autismo político mergulharam o país é a alteração dos comportamentos individuais e colectivos. Não é novidade nenhuma. Trata-se de um desafio que, como se sabe, é inevitável enfrentar, mas que corre o risco de ser ignorado ou marginalizado no meio da catadupa de atitudes, ditos, afirmações, desinformações, conceitos e preconceitos que polui o nosso dia-a-dia.

É, de facto, muito difícil alterar comportamentos. Daqui em diante vai ser preciso, para não dizer obrigatório, fazer escolhas. Optar. Optar pelo essencial em detrimento do supérfluo, pelo suficiente em detrimento do excessivo, pelo prático em detrimento do cómodo, pelo real em detrimento do possível, pelo seguro em detrimento do arriscado. E – escolha crucial – pelo nós em detrimento do eu.

É nestas como em muitas outras opções decisivas, que não se compadecem com hábitos enraizados nem modos de estar estratificados, que os cristãos podem e devem ter um papel a desempenhar. Pelo exemplo das escolhas que souberem fazer, pela capacidade de intervenção que puderem vir a ter nas suas comunidades, pela modo como souberem demonstrar que a partilha, assuma a forma que assumir, não é um acto extraordinário numa situação extraordinária, mas antes um gesto normal num quotidiano normal.

São pesados os sacrifícios que estão a chegar. Ninguém tenha dúvidas. E não é chorando sobre o leite derramado que eles virão, um dia, a valer a pena. Fundamental é nunca esquecer o que, com esta crise, está verdadeiramente em jogo. E o que está em jogo é o futuro das próximas gerações. Não se sabe de quantas. A quem atingirá ainda esta hipoteca do amanhã? Aos nossos filhos? Aos netos? Aos bisnetos?

E aqui a opção é só uma: fazer os possíveis para que a penhora seja resgatada no mais curto espaço de tempo e exigir aos poderes instituídos que essa seja também a sua prioridade das prioridades.

 Há, porém, uma arma que os cidadãos terão de trazer sempre consigo, se quiserem vencer esta batalha da crise.

A esperança.

A esperança que é, ao mesmo tempo, o motor da vontade e o farol que rasga, entre uma infinidade de caminhos, o caminho verdadeiro.

E porque o Evangelho também é, ele próprio, a esperança, os cristãos não se podem eximir a ser os seus arautos, incutindo-a a quem não a tem, devolvendo-a a quem a perdeu, erguendo-a como a bandeira que tem de se seguir.

Mas, sobre a crise, vale ainda a pena salientar que ela só existe, cá e lá fora, porque tem subjacente uma profunda crise dos valores fundamentais que determinam todos os comportamentos humanos. Hipocritamente desprezados ou destruídos ou, pior, invertidos em nome de outros valores, como a liberdade e os direitos individuais, interpretados ao sabor de interesses escondidos, eles deixaram de ser os pilares civilizacionais do ocidente de raiz cristã.

E, mais uma vez, os cristãos são chamados a intervir. A Doutrina Social da Igreja é uma porta aberta para, ao menos, tentarem travar os danos sociais e humanos já causados por esta grave ruptura estrutural – e há que promovê-la, divulgá-la e criar condições para ser praticada. É isso que se lhes pede.

Antes que seja tarde.