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O projecto feminino em Deus

Para entender o que significa o projecto feminino em Deus é necessário que utilizemos novos conceitos de linguagem. Nos dois relatos do Livro do Génesis encontramos indicações preciosas que devemos ter em conta, ou seja, a História constrói-se interligando duas realidades: a simultânea e a sucessiva. Na perspectiva cristã, a dinâmica histórica desenvolve-se na interacção entre tempo e eternidade de Deus.

Ao entender as coisas deste modo é mais fácil unir testemunhos de vidas como, por exemplo, o de Santa Brígida da Suécia, Santa Edith Stein e Ingrid Betancourt. Distantes umas das outras na referência espacio-temporal, elas são, no entanto, muito próximas quanto às marcas que imprimiram e que imprimem na história.

«Referes com muito agrado a força da oração. Tranquiliza-nos, tu não és uma santa?» Esta foi uma das questões que uma jornalista colocou a Ingrid Betancourt na entrevista que lhe realizou, em Dezembro de 2008, para a revista Paris-Match. A resposta de Ingrid foi a seguinte: «Seguramente não! Em todo o caso não no sentido católico do termo… Do ponto de vista etimológico, talvez…». Mas, quando a jornalista lhe pergunta se não tem medo de aparecer perante o mundo como uma espécie de referência moral, Ingrid responde que para ela isso significa a felicidade absoluta. O testemunho de conversão desta ex-senadora franco-colombiana tem dado que falar, foi até recebida por Bento XVI em finais de 2008. Passou da ambição do poder político para a actividade diplomática. Pretende sensibilizar os presidentes de diversos países da América Latina, de tal forma que, unindo esforços, possa realizar os objectivos a que se tinha proposto, antes do sequestro, de modo independente. Ao ser apontada como referência moral ganhou em força, mas uma força que, no entanto, se submete e conjuga com a força da acção de Deus na história. Por isso ela surge com renovado alento e amor pela vida.

Santa Brígida da Suécia e Santa Edith Stein aparecem noutros contextos históricos, também conturbados, e são um grande testemunho da unidade que existe entre os dois modos de ser mulher: no matrimónio e no celibato. Foram ambas proclamadas Padroeiras da Europa por João Paulo II em 1999. Brígida da Suécia frequentou sempre as mais altas esferas do mundo político e eclesiástico do seu tempo. Depois de vinte e oito anos de matrimónio, bem sucedido, e de ter sido mãe de oito filhos, Deus pede-lhe algo de diferente. Ao ficar viúva, com quarenta e dois anos, assume o celibato como algo que faz parte integrante do seu modo de ser feminino. A experiência de esposa e mãe permite-lhe entender que deve imprimir na cultura e na sociedade do seu tempo o sentido nupcial cristão, isto é, o sentido de comunhão na diferença entre masculino e feminino, que deve impregnar a família, a cultura, a sociedade e a Igreja. Em 1991, pelo VI centenário da canonização de Santa Brígida, Joseph Ratzinger define-a como uma mulher ecuménica “que se nutre do que é essencial, do que é grande, do que é comum a toda a Igreja”. Volta a referi-la como exemplo, em Setembro de 2006, para responder a uma questão que lhe colocaram alguns jornalistas sobre o papel da mulher na Igreja Católica.

Também Edith Stein se debruça sobre a importância da complementaridade masculino-feminino e dinamiza, entre os anos 1928-1933, as suas grandes conferências sobre a mulher.          

Na Carta Apostólica A Dignidade da Mulher João Paulo II inspira-se na vida destas e de tantas outras mulheres santas. Ele define não apenas o que é a mulher mas também o papel delas na história da humanidade. Nesta Carta o Papa refere vários nomes de mulheres que participaram na missão da Igreja e considera-as como “mulheres perfeitas”. Afirma que “as mulheres santas são a personificação do ideal feminino, são também modelo para todos os cristãos, modelo de seguimento de Cristo, exemplo de como a Esposa deve responder com amor ao amor do Esposo” (n. 27). João Paulo II diz isto não só pelo testemunho histórico dado por aquelas mulheres mas, sobretudo, porque elas são o modelo acabado à luz da visão última em Deus.

A receptividade aos dons do Espírito Santo, a intuição sobrenatural, o sentido de justiça e a defesa da vida como dom de amor, são qualidades essenciais do modo de ser das mulheres santas que o Papa refere. Eis o sacerdócio feminino! Todos os seus testemunhos de vida nos revelam que a missão sacerdotal da mulher é a de ser guardiã da vida e do amor. A mulher é acção configuradora da vida. O profundo sentido de justiça, próprio da mulher, está directamente unido à visão excelsa do sacerdócio feminino como oblação, isto é, sabem aplacar a “Ira de Deus” e personificar a misericórdia. É próprio da mulher desenvolver uma intensa acção social. Tudo isto ficou demonstrado nas vidas de Santa Brígida Suécia, na de Edith Stein, e na de tantas outras que o Papa refere.

Embora de modo não consciente o perfil de Ingrid Betancourt vai-se identificando com a acção das mulheres santas no mundo, para que também um dia o seu nome possa estar inscrito no Céu.