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Guilherme d'Oliveira Martins
Qual é o segredo?

«Qual é «o segredo» da “formidável transformação” operada pelo cristianismo ao longo da História?» – pergunta o Papa Francisco no texto publicado há dias, no volume “O Céu na Terra. Amar e servir para transformar o mundo”. Eis a grande interrogação que deve ser lembrada neste final do Advento, no momento em que anunciamos a chegada do Menino Deus, num Natal diferente de outros, porque muito mais exigente no espírito e na ação, em virtude da pandemia que alterou tantas coisas nas nossas vidas e nos obrigou a tomar consciência de que não podemos continuar iludidos sobre o falso caráter quase ilimitado dos frutos do progresso material. A resposta está no amor cristão (agapé) e nos valores que lhe estão ligados numa grande «corrente de solidariedade que desde há dois mil anos atravessa a História», e que tem como fonte a graça do amor de Deus.

Afinal, percebemos melhor a fragilidade de tudo e a essencial importância do entendimento dos limites e da nossa vulnerabilidade. Os extraordinários avanços da ciência revelam a cada passo o pouco que sabemos e a necessidade de continuarmos no caminho de exigência, de estudo, de reflexão e de compreensão mútua. «Quando nos aproximamos com sinceridade das pessoas vulneráveis com o desejo de as ajudar, acontece que somos reenviados para as nossas próprias vulnerabilidades. Todos as temos. E todos temos necessidade de cuidado, todos temos necessidade de ser salvos» – diz o Papa. E assim encontramos a expressão de S. Paulo relativamente à virtude que permanecerá para sempre. “A caridade nunca acabará. As profecias desaparecerão, as línguas cessarão e a ciência findará. Porque a nossa ciência é imperfeita e a nossa profecia também é imperfeita” (I, Cor., 13, 8-9).

Essa ligação aos outros pressupõe «um outro traço distintivo na ação do cristão para com os últimos» (afirma ainda o Papa). «É uma ponta de alegria que permanece sempre, talvez por vezes submersa, inclusive diante das experiências mais negativas e dolorosas. É a companhia de uma Presença que não depende, em última análise, das circunstâncias externas, mas é dada, precisamente; uma familiaridade com Jesus na qual se progride dia após dia na oração e na leitura do Evangelho». E assim chegamos à raiz da esperança «que Charles Péguy via como a virtude menina que caminha quase oculta entre as saias das duas irmãs maiores (a fé e a caridade), mas que, na realidade, é ela, esta esperança menina, que nos leva pela mão e apoia».

Ao dirigir-se aos jovens que há poucas semanas animaram a iniciativa, de que já falámos, “Economia de Francesco”, o Papa lembrou o encontro onde tudo começou: «Vê, Francisco, repara a minha casa, como vês está em ruinas.» Estas foram as palavras que mobilizaram o jovem Francisco e que se tornam em chamamento especial para cada um de nós. Quando se sentem convocados, envolvidos e protagonistas da “normalidade” a construir, sabeis dizer “sim”, e isso dá esperança».

A economia para as pessoas, obriga a lembrar os temas da encíclica “Populorum Progressio” do Papa S. Paulo VI – a dignificação do “trabalho do homem”, a recusa da servidão do consumismo, a denúncia da economia que mata… «A perspetiva do desenvolvimento humano integral é uma boa notícia a profetizar e efetivar – e estes não são sonhos: este é o caminho –, porque nos propõe reencontrarmo-nos como humanidade no melhor de nós mesmos: o sonho de Deus de aprender a cuidarmos do irmão, e do irmão mais vulnerável. A grandeza da humanidade é determinada essencialmente pela sua relação com o sofrimento e com aquele que sofre – a medida da humanidade. Isto é válido tanto para o indivíduo como para a sociedade; grandeza que deve incarnar-se também nas nossas decisões e modelos económicos». Não podemos aceitar que os ricos fiquem mais ricos e os pobres fiquem mais pobres. Demarcando-se do mero crescimento, destruidor da irmã natureza e da justiça, o Papa Francisco perante jovens provenientes de 115 países, convidou-os «a reconhecer que precisamos uns dos outros para dar vida a esta cultura económica capaz de fazer com que germinem sonhos, de suscitar profecias e visões, de fazer florescer esperanças, de estimular a confiança, de fechar feridas, de entretecer relações, de ressuscitar uma aurora de esperança, de aprender uns dos outros a criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os corações, dê força  às mãos, e inspire aos jovens - todos os jovens, sem exceção - a visão de um futuro repleto da alegria do Evangelho». Como diz a encíclica “Fratelli Tutti”, impõe-se o amor e a amizade social: «Aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contacto: tudo isto se resume no verbo “dialogar”» (FT, 198).