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Cristãos perseguidos
Ao percorrer diariamente as notícias de todo o mundo, verificamos que se vão multiplicando as que dizem respeito à perseguição ou violação dos direitos dos cristãos (de várias denominações) por causa da sua fé. Refiro-me às notícias veiculadas por agências especializadas na actualidade da Igreja Católica (como, por exemplo, as agências zenit.org ou asianews.it), uma vez que não é muito o relevo que é dado a esta realidade na comunicação social em geral.

Notícias de assassinatos, privações de liberdade, danificação de igrejas, perturbação de actos de culto, injustas condenações, que provêm do Iraque, da Índia, do Paquistão, da Argélia, do Egipto, da Indonésia, da Malásia, do Sudão ou da China. As perseguições provêm sobretudo de grupos que se reclamam de correntes extremistas do islamismo ou do hinduísmo, sem o apoio dos representantes mais autorizados destas religiões, mas por vezes com alguma conivência dos Estados. Em alguns países muçulmanos, a própria lei dá cobertura a violações da liberdade religiosa. Na China, permanece o calvário de quem não quer submeter-se ao império de um Estado totalitário sobre as consciências.

Como reacção a alguns destes factos ocorridos recentemente, um comunicado da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (COMECE), de Janeiro, faz um apelo à atenção e intervenção dos organismos da União Europeia diante desta situação. E relembra alguns dados colhidos pela organização internacional Ajuda à Igreja que Sofre: as perseguições que atingem os cristãos em todo o mundo são entre 75 a 85% de todas as perseguições em razão de uma qualquer fé religiosa; ronda os 170.000 o número dos cristãos que anualmente perdem a sua vida por causa da sua fé e ronda os 200 milhões o número dos cristãos anualmente afectados nos seus direitos, de um ou de outro modo.

Esta realidade é também tema de um livro do jornalista francês René Guitton, Ces chrétiens qu`on assassine (Flammarion), galardoado com um prémio de promoção dos direitos humanos e que serviu de base a um relatório apresentado ao Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, Jorge Sampaio.

Parece evidente que não tem sido dada, pela opinião pública mundial e pelos responsáveis políticos em geral, a importância devida este fenómeno. Os cristãos são, na verdade, a mais perseguida das comunidades religiosas. É certo que o próprio Evangelho não promete outra coisa aos seguidores de Jesus, mas a justiça e o amor fraterno para com as vítimas não nos dispensam de reagir.

Nesta reacção, pelo menos dois cuidados devem ser tomados.

Um deles é o de evitar que se dê azo à generalização da ideia de que, por todo o lado e em qualquer circunstância, os cristãos são perseguidos por fiéis de outras religiões, que se assiste ao renascer de velhas “guerras de religião”, ou que se demonstra deste modo a discutida tese do “choque de civilizações”. Grupos marginais ou extremistas, muçulmanos ou hindus, muitas vezes movidos por propósitos mais de ordem política do que religiosa, estão longe de representar a maioria dos fiéis dessas religiões, com os quais é possível construir pontes de diálogo e colaboração. Ao lado das notícias de perseguições, também há que dar relevo às notícias desse diálogo e colaboração. Recordou-o recentemente o cardeal Jean Louis Tauran, presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Interreligioso, num colóquio em Granada e não muito tempo depois de se ter encontrado com vários dirigentes muçulmanos indonésios: «Não devemos temer o Islão» (www.zenit.org, 17/2/2010 )

Por outro lado, há que evitar o risco (salientado por René Guitton no livro referido) de que a defesa dos cristãos surja basicamente como manobra política dos governos ocidentais, contribuindo para alimentar a ideia de que os cristãos são “agentes” do Ocidente ou de que o cristianismo é uma “importação” alheia às culturas não ocidentais. Uma ideia errada (porque se trata de comunidades bem enraizadas nas culturas locais, por vezes historicamente anteriores à islamização ou à colonização ocidental), mas que serve de pretexto a muitas das perseguições e que pode agravá-las se for reforçada.

Com estas ressalvas, a inquietação permanece. É muito pouco o que tem sido feito pelos cristãos vítimas destas perseguições. Estes não deveriam sentir nunca que os outros cristãos, seus irmãos na fé, são indiferentes à sua sorte. E também não deve ser indiferente à sua sorte quem seja sensível à causa da defesa dos direitos humanos. Porque a liberdade de consciência e de religião, que envolve o domínio mais íntimo e, precioso da existência humana, como muitas vezes salientou João Paulo II, ocupa, logo depois do direito à vida, o lugar de maior destaque no elenco dos direitos humanos.

 

Pedro Vaz Patto